sexta-feira, 18 de abril de 2008

A rainha do Teatro de Revista de volta aos palcos de São Paulo

Por Patrícia Rocco
Fotos: Arquivo e Divulgação

Cena da peça dirigida por Dagoberto Feliz

“Pra Você que me esqueceu” é o espetáculo que traz a cantora e atriz Aracy Cortes (1904-1985) de volta a um local do qual ela nunca deveria ter saído: a memória do público.
Nesta peça, Dagoberto Feliz, o diretor, e o pessoal da companhia “Teatro do Arrebol”, abrem o baú da memória nacional e tiram de lá uma história desconhecida do grande público. Assopram a poeira acumulada pelo tempo e trazem à vida um dos maiores ícones da cultura popular brasileira: a estrela do Teatro de Revista, Aracy Cortes.
Você sabe quem ela foi?

Eu também não sabia. Mas conhecia, surpreendentemente, todas as músicas do espetáculo... Elas me conduziram a uma viagem pelos tempos de criança, pelos momentos em que aprendi muitas daquelas canções com a minha avó. As lágrimas vieram. Claro. Inevitavelmente.

Aracy Cortes era na verdade Zilda de Carvalho Espíndola. Guerreira destemida e dona de um temperamento invejável às mulheres do início do século XX, destacou-se em um meio dominado quase que exclusivamente pelas vozes masculinas da época.

Atriz e cantora começou aos 16 anos e, ao longo da carreira, revelou-se um dos maiores nomes do samba-canção. Foi dela a primeira audição de Aquarela do Brasil (Ary Barroso), a mais importante canção exportada para os Estados Unidos, inaugurando o gênero mundialmente.
Primeira cantora popular do Brasil, revelou talentos como Ary Barroso, Assis Valente, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola - compositores até então desconhecidos . Era citada pelos jornais da época em textos como este:
"A quase totalidade das artistas de teatro de revistas em atividade no Brasil guiava-se pelo modelo francês, tinha uma malícia de boulevard, parecia importada de um music hall parisiense. A morena Aracy Cortes, de cabelos crespos, olhos vivos, corpo bonito que não procurava esconder com suas roupas ousadas para os palcos da época, era brasileira em tudo, na malícia dos gestos, nas insinuações do olhar, no gosto pelo duplo sentido das frases. Foi a primeira grande desbocada do teatro brasileiro".

Porém, após tantos serviços prestados ao Brasil, Aracy Cortes morre em 1985, recolhida lá no Retiro dos Artistas. Lutou até o fim para receber do governo algo semelhante a dois salários mínimos. Não conseguiu.

O espetáculo que resgata a história
Uma roda de samba. É assim que os atores recebem o público entoando as encantadoras canções de Aracy. Ela, já com mais idade, volta ao palco de um antigo teatro e ali revive as emoções de suas memórias.
Num jogo cênico que une passado e presente, a peça retoma à cena antigos números e personagens que eternizaram o Teatro de Revista Brasileiro.

Com este drama musical, Dago Feliz e sua trupe evocam nossa memória esquecida. Assim como as nossas raízes culturais. Profundas e belas, mas igualmente esquecidas, em “Pra você que me esqueceu” essas referências recobram o antigo colorido e nos dão uma pista sobre o quanto ainda devemos estar perdendo.

No folheto de apresentação do espetáculo, o diretor dedica esse texto à Aracy Cortes. Sensacional!

“Dona Aracy,
Estamos lhe escrevendo para comunicar que resolvemos fazer um espetáculo sobre a sua pessoa. Sei que pode parecer “realidade fantástica”, mas acreditamos que isso de alguma forma chegue as suas mãos, ou melhor, a sua alma... ou a sua energia... ou a sua memória... Como nos deparamos com várias informações truncadas sobre o seu trajeto histórico, resolvemos, então, para a realização em cena do nosso projeto, comparar a sua trajetória artística a da nossa equipe criadora.

Pode parecer pretensioso, mas acreditamos piamente que isso seja possível. Talvez pela proximidade das angústias criadoras deste grupo no atual instante deste mundo. Embora esteja afastada dele há algum tempo, queremos, infelizmente, comunicar-lhe que este mundo não está tão diferente do que era quando a senhora esteve por aqui.

Depois deste pequeno arrazoado, vamos à explicação do que pretendemos fazer com o seu legado.

O espetáculo inicia-se com uma pequena roda de samba de mesa de bar recepcionando o público. Pensamos em um repertório que inclua nomes como Noel Rosa, Lamartine Babo e outros que a senhora ajudou a lançar como compositores. Lá pelo meio do espetáculo, citaremos vários outros autores para lembrar a importância do artista estar próximo de novos artistas que surgem... como a senhora fazia... Que acha da idéia?

Como temos imagens suas quase que somente em fotografias da época, optamos por não tentar uma reprodução fidelíssima a sua figura, mas sim “brincamos de ser a senhora”. Duas atrizes representarão o seu papel. Uma como se estivesse expressando a sua opinião já em tempo de mais idade, e a outra, no seu momento de trabalho mais atuante. São atrizes que acreditam, como a senhora acreditava, em um tipo de teatro que não cede ao mercado. Daí a comparação, lembra?

Um ator representará todas as figuras masculinas que em algum momento da sua vida foram importantes. Sentimos pela falta de um número maior de atores, mas a senhora não sabe como hoje em dia é difícil montar um elenco com muitos nomes... ou achamos que até saiba! Em função dos costumeiros recursos limitados de produção, um violonista fará o papel de orquestra. Mas não se preocupe com a qualidade musical. O violonista é realmente um ótimo violonista. Talvez consigamos um sopro... uma flauta... uma clarineta... mas ainda estamos à procura deles... A senhora sabe como são os músicos, não?

A produção está tentando, de qualquer maneira, resolver o eterno problema de custos, patrocínios, apoios culturais... enfim... e hoje em dia existem Leis de Incentivos Fiscais à Cultura que são muito complexas, mas já aprendemos a lidar com isso também. Não sabemos se na sua época era assim...

Quanto à direção, está nas mãos de alguém que já fez muitas direções musicais em vários projetos, e acredita compactuar com o seu pensamento “do artista que tenta não se dobrar às normas vigentes”...

D. Aracy, acreditamos realmente em tudo que expusemos. Sei que, por motivos óbvios, jamais receberemos uma resposta sua, que seja cientificamente provada. Mas a certeza dessa comunicação... desse diálogo entre diferentes épocas dentro da angústia artística da criação, de alguma forma acontece...

Respeitosamente e com carinho, um grande beijo.
Dagoberto Feliz “

PRÁ VOCÊ QUE ME ESQUECEU
Teatro Ópera Buffa - Praça Franklin Roosevelt, 82, Centro, São Paulo.50 lugares. tel.: (11) 3237-1980. Ingressos: R$ 20,00 (meia-entrada - R$ 10,00)
Sábados e domigos às 21hs. Até 27 de abril.

Ficha Técnica:
Companhia: Teatro do Arrebol
Autor: Cláudia Pucci
Direção: Dagoberto Feliz
Elenco: Evelyn Klein, Gisela Millás, Ivan Kraut, Tiê Alves
Gênero: Drama
Duração: 50 min.

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